CHICO

Francisco Teixeira, o Chico do Bode, é patrimônio de Jaciguá. Quem lá morou ou por lá passou conhece o Chico. Tem mil estórias que poderíamos contar sobre ele. Coisas acontecidas através de muitos anos de convivência e principalmente amizade.

Para quem não sabe, o Chico é aleijado e anda num carrinho puxado por um bode. Sempre foi amado e respeitado, não pela condição física que nunca fez com que fosse triste ou se sentisse inútil. Pessoa que, se bem sopesada, teria honra de herói pelos longos anos de alegria e otimismo que sempre transmitiu a todos. Quando rapagote, pegava no gol, nas peladas perto da estação. As traves eram de camisa. Uma outra vez, depois de bons gols, já meio chupados, como dizia Vaval, despencamos morro abaixo, depois de uma seresta, para substituirmos o bode por um de nós para puxar o carro.

De outra feita, quando assistia à missa na porta da igreja matriz, o bode resolveu entrar e comer os enfeites ao redor do altar. Enquanto isso, o Chico dava corcovos nas subidas e descidas dos degraus, e o padre fazia que não via o Itabira. E muitas outras, antológicas, como aquela do doutor Wilson, que veio do Rio, roubou o bode, matou, preparou e chamou o Chico para comer. Acabada a refeição e a bebeção, contado o fato, o Chico se riu a ponto de quase andar.

No dia seguinte, ganhou dois de raça pura, para substituir o prato do dia anterior. O Chico do Bode e o Bode do Chico sempre foram muito respeitados em Jaciguá. O Chico e o Bode sempre foram unha e carne. O Chico sempre foi amigo do Bode e o Bode as pernas do Chico. Uma realidade que o Tarzan, legendário, nunca chegou a ser.

Mas andam acontecendo coisas estranhas em Jaciguá. Não se sabe quem anda machucando o Bode do Chico, cortando-lhe a carne, quebrando-lhe a mão. Seria um estripador, um estrangulador, um tarado?

O Chico está triste e se sente desamparado. Onde estão as pessoas de Jaciguá que o conhecem, sabem do fato e deixam prá lá? Há meio século existem o Chico e seu Bode. Só agora alguém está achando incômodo. Agora que o meio século lhe pesa mais nos ombros. Pergunto: seria o Chico um Bode expiatório, justamente no ano internacional dos deficientes físicos? Não sei.

Que o estripador de Jaciguá não quebre, ainda mais, as pernas já quebradas do Chico.

Régio não tinha amarras… acho até que nasceu em alguma estrela e sei lá por que acabou pousando ali pelos lados de Jaciguá.
Lugar que ele amou até não poder mais…

Nota do Editor

Conto extraído do livro Vale da Lua,

de Régio Antonio Moulin Batista (páginas 84/86) – 30.07.21

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3 comentários sobre “PROSAS DO RÉGIO, COLHIDAS NO “VALE DA LUA” – I

  1. Eitaaa saudades!!! Tio Régio morou, mora e sempre vai morar no meu coração!!♥️
    Tenho orgulho em dizer que faço parte de um pedacinho da história de vida dele.

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