Santo Agostinho é considerado o maior filósofo e teólogo do cristianismo, desde Aristóteles. Nasceu no longínquo ano de 354, mas seus ensinamentos permanecem vivos e cheios de sabedoria até hoje.

1668 anos depois, eu ando aqui de crista caída, meio sem jeito e com pouca vontade de organizar uma agenda. Reflito sobre um fato novo e que me deixou nos corners da vida: a falta que Fabio, meu irmão, de repente resolveu me fazer. E assim, do nada, me deparo com um texto de Agostinho que me aponta caminhos que, sozinho, certamente não encontraria. Mais à frente cito um trecho dele que me tocou muito.

Pois é, nem entendo bem como essa falta do meu irmão se instalou em mim, porque na verdade eu e ele nunca fomos muito próximos, vamos dizer assim, “irmãos camaradas”. Durante quase todas as páginas do livro em que escrevemos as nossas vidas, ele vivia lá e eu cá; ambos em Cachoeiro, mas cada um com a sua idade – ele 5 anos mais velho do que eu -, a sua turma, o seu modo de viver…

Benquerença sempre tivemos, mas assim, meio à distância e com certa cerimônia. Se isso não nos aproximou, não nos afastou também. Ficamos por um longo tempo, como ele mesmo dizia, assim, meio pau, meio cavalete…

Acontece que Fabio me deixou na madrugada do dia 13 de setembro de 2021. Assim, sem estardalhaço, sofrimento agudo ou mesmo lágrimas; mas com uma tranquilidade e sobriedade que não são muito comuns nessas horas. Não estava ao seu lado, mas fico aqui querendo crer e torcendo muito para que o desenlace tenha sido como a chama de uma vela, que fica ali tremeluzindo até se apagar, sem precisar sequer de um sopro. Apagou-se, apenas…

Atordoado com a notícia, fiquei em Alpha, sem que outras emoções aflorassem naquelas primeiras fatias do tempo. Apenas nas primeiras fatias do tempo, porque em seguida bateu uma grande tristeza, com a certeza de que, de repente, eu estava aqui sobre a face da Terra sem nenhum ascendente meu. Senti-me só, perdido e no mato sem cachorro, se posso usar essa má comparação.

Por um bom tempo me senti assim, até que Mara Resende, ligou para Heloisa e disse que queria falar comigo. Cinco minutos de conversas e pêsames, até ela dizer que a minha situação era muito parecida com a dela: ela também tinha perdido os pais e o seu único irmão. O resultado dessa porrada? Ela estava refém de uma tristeza profunda e órfã do núcleo ascendente da sua família… assim como eu. Ambos, órfãos. Sim, pela primeira vez me senti órfão do meu único irmão e sem saber lidar com isso.

Seguia eu nesses breves dias como um triste órfão, meio troncho e desconfortável, até que me surgiu à frente, não sei como nem porque, um texto de Santo Agostinho, intitulado “A morte não é nada”, de onde colhi uma única frase que funcionou para mim como um farol na noite de um mar envolvido em brumas: “Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho”. Ouvi Fabio dizendo isso pra mim.

Que bom, estou em paz agora…

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2 comentários sobre “Editorial II – Apenas do outro lado do caminho

  1. Meu querido Renato.
    Esse “desabafo” que você gentilmente nos apresenta, me arremessou de volta a 2012, quando perdemos o Zé Carlos.
    Cada frase sua representa um sentimento meu.
    Quer o te agradecer enormemente por me proporcionar momento de pureza na alma.
    Um forte e fraterno abraço.

  2. Sempre que alguém reclamava da dor de uma perda familiar, o velho Confúcio dizia que tiraria a dor se o reclamante trouxesse até ele um fio de cabelo de um adulto sem morte na familia. Apos muita procura o reclamante concluía que a sua dor nao era única, era universal.

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