Advogado, professor, e referência em educação em Cachoeiro e no Espírito Santo, David Lóss gentilmente acolheu nosso pedido para que falasse um pouco de sua vida e da realidade e desafios educacionais que o nosso país, estado e cidade enfrentam.

O resultado não poderia ser diferente: Mestre em todos os sentidos, Prof. David nos brinda com sua serenidade, sabedoria e larga experiência nas linhas que se seguem. Aproveitem:

Embora profissional de alta performance em muitas atividades, gostaríamos de iniciar esta entrevista com um breve relato seu sobre a sua cidade de origem e as razões pelas quais veio dar com os costados, para ficar, em Cachoeiro de Itapemirim.

David Lóss: Nasci em Jabaeté, hoje Município de Viana, situado entre Cariacica e Domingos Martins, em 1945. Meu pai, funcionário do Ministério da Saúde, fora designado para trabalhar no Posto de Saúde de Viana.  Com 3 anos de idade, passamos a residir em Jardim América-  um bairro novo de Cariacica, na Grande Vitória, onde morei até 1969, ano em que passei a residir em Cachoeiro.

Fiz o Curso Clássico no Colégio Estadual do ES. Prestei vestibular e ingressei FAFI-Faculdade de Filosofia, onde conclui o Curso de Licenciatura em História para 1º e 2º Ciclos. Ainda na FAFI iniciei o Curso e Bacharelato em História. Em 1969 fiz concurso e fui aprovado para ingressar no Magistério Público Estadual, escolhendo a vaga no Liceu, em Cachoeiro, e no Colégio Estadual de Rio Novo do Sul.

Decidi morar em uma “república”, ministrava aulas nos finais de semana e retornava para Vitória.

Em Dezembro de 1970 casei-me com Maria Cristina… e lá se vão mais de 50 anos!


Advogado, Diretor de Faculdade, Membro da Academia Cachoeirense de Letras, Vereador, proprietário de estabelecimento de ensino, professor… Vida profissional tão intensa, profícua e eclética requer, naturalmente, alguns comentários seus para o nosso Leitor a respeito…

David Lóss:  No início do ano letivo de 1973, mais precisamente no mês de abril, o LICEU vivia uma crise de caráter político-partidário. Buscando uma solução, o Governador do Estado nomeou o Prof. Guerino Dalvi, Chefe da Casa Civil, como Interventor, para dirigir a Escola por 30 dias e nesse tempo indicar mediante eleição o novo Diretor da Escola. 

Foi assim que, aos 27 anos de idade, assumi a Direção do famoso LICEU, uma Escola com 2.400 alunos, a segunda maior do Estado

Em 1975 deixei a direção da Escola. No dia 1º de Março do mesmo ano, em prédio alugado na Avenida Pinheiro Junior, fundava a Escola “Guimarães Rosa” que iniciaria os seus trabalhos com 62 alunos matriculados no 1º ano do Segundo Grau, sob nossa direção.

Cachoeiro faz jus à fama que tem de receber muito bem as pessoas que aqui vem morar e trabalhar. Comigo foi amor à primeira vista. A recepção não poderia ter sido melhor. E procurei dar minha modesta colaboração para a cidade. 

No final dos anos setenta ingressei na FDCI e conclui o curso de Direito em 1982. Depois fui Professor e Diretor daquela instituição.

Fiquei muito honrado e feliz quando, em 1973, recebi o título de Cidadão Cachoeirense, graças à bondade do então Vereador Astor Dillen dos Santos.

Lions Clube, Centro Operário, Conegro, Academia de Letras, Associação Cultural Brasil-Itália de Cachoeiro, OAB,  Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro  são algumas das instituições que tenho a honra de participar. E procuro dar minha contribuição. Penso que é uma obrigação procurar ajudar a cidade que tão bem me recebeu, sem falar na cachoeirense Maria Cristina e nossos 3 filhos e 6 netos.

Ingressei na vida política com um único objetivo: dar a minha contribuição para Cachoeiro. Gostei e não me arrependi. Fui Vereador, Presidente da Câmara, Secretário Municipal de Educação e de Planejamento


Como compatibilizar uma vida profissional tão intensa com a paz que experimenta hoje, nesses nefastos tempos de pandemia, em sua agradável residência de Marataízes, de frente para o mar? A quais passatempos se dedica mais?

David Lóss: Eu trabalho desde os meus 13 anos, portanto, há 62 anos. Quando completei setenta anos, apesar de gozar de boa saúde, resolvi reduzir gradativamente minhas atividades, tanto na área de educação quanto do Direito.   

Com o início da pandemia, passamos, eu e Cristina, a residir em Marataízes. Dividi o tempo entre serviço braçal leve, jardinagem, durante o dia, reservando a noite para ler e escrever. Foi um pouco difícil renunciar às várias e intensas atividades. 

Não deixei Cachoeiro totalmente. Uma ou duas vezes por semana vou à cidade. 


Inevitável abordarmos aqui a importante temática da Educação nos dias atuais. Ensino à distância, sem a presença dos alunos em sala de aula é uma realidade. Essa modalidade de ensino veio para ficar? Sabemos que práticas novas trazem em seu bojo… novidades, evidentemente. Sob a sua ótica, por favor, comente os prós e os contras dessa alteração radical na vida do alunos, dos professores, das escolas…

David Lóss: Acredito que as aulas presenciais jamais deixarão de existir.  O ensino regular à distância não veio para ficar. A frequência às aulas com presença do Professor e dos colegas numa sala de aula tem origem na necessidade de socializar. Isso é fundamental. 

Já houve tempo em que, nos cursos superiores, inclusive na área médica, o aluno comparecia à Escola duas ou três vezes por ano para algumas aulas presenciais e para prestar contas aos Professores das tarefas e atividades realizadas em casa. Conheci um Médico, famoso, que se graduou nesse sistema. Este modelo foi abandonado. 

Impossível querer que uma criança entre 11 e 14 anos consiga ficar durante 4 ou 5 horas, em casa, em frente a um computador, tablet ou celular com atenção máxima para aprender os conteúdos que o Professor ou Professora tentam passar.

 Por mais eficiente que a Escola tenha sido na montagem de um modelo híbrido, não é a mesma coisa. Já conversei com centenas de alunos na faixa de 11 a 16 anos e a resposta é a mesma. Estamos com saudade da sala de aula, dos colegas, dos Professores e do ambiente escolar.

É até provável que um reduzido número de alunos possa ter se adaptado e estar aproveitando o modelo não presencial. É minoria e, por certo, são alunos com alto grau de atenção. Exceção à regra. 


Gostaríamos que comentasse especificamente com relação à absorção dos conhecimentos: ganham ou perdem os alunos?

David Lóss: No modelo atual os alunos perdem em todos os sentidos, sem falar na importância da socialização. O homem é um animal social, já disse o filósofo em priscar eras. 


Em sua maneira de ver, nesse momento emergencial, foi feito o que deveria ser feito pelas autoridades responsáveis pelo Ensino no Brasil ou haveria procedimentos que poderiam produzir resultados mais efetivos?

David Lóss:  Penso que sim. As “autoridades” responsáveis pelo Ensino fizeram o que estava ao alcance diante do desconhecido. O Brasil é um país continente. São “apenas” 8.511.965 quilômetros quadrados de extensão com 7 mil quilômetros de litoral. Nada se sabia do famigerado corona vírus. Na verdade, estava todo mundo batendo cabeça. Do porteiro da Escola até o Diretor.


Ampliando um pouco as lentes: em sua opinião como anda o ensino em seus diversos níveis no Brasil com relação a países mais  desenvolvidos nessa área? Coréia do Sul, Japão, países nórdicos… Como fazer para agilizar/aperfeiçoar as políticas de ensino no Brasil?

David Lóss:  O problema do Brasil é que nosso modelo educacional está na base da “teoria do ensaio e erro”. Nada é definitivo. 

Explico: Durante os 15 anos de governo de Getúlio Vargas,  a Educação brasileira obedecia o que estabelecia a Lei Capanema. Em  1945, com o final da 2ª Guerra Mundial, Getulio foi deposto. Em 1946 foi promulgada a nova Constituição do Brasil. A meu ver foi a melhor que tivemos até agora. Só durou até 1967 após ter sofrido uma enorme quantidade de Emendas, fazendo dela uma “colcha de retalhos”.

A referida Constituição de 1946 previu e determinou que o Poder Legislativo votasse uma nova Lei para a Educação Brasileira, em seus três níveis. Por incrível que pareça, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional só ficou pronta em 1961!!!!!.  15 anos.

Pior ainda. Esta Lei, a rigor, só durou 10 (dez) anos e deu lugar a nova Lei de 1971. Daí para e frente foi uma sucessão de alterações.  Até hoje, desde 1976, lamentavelmente, o Governo não definiu o que queremos de nossos alunos. Falta um modelo educacional com objetivos claros, como era a Lei Capanema.

Temos países vizinhos, como o Uruguai, com um excelente modelo educacional. Nem precisamos chegar à Coréia do Sul ou países nórdicos.

Penso que a legislação educacional brasileira, em seus 3 níveis deve definir quais são os reais objetivos da Educação Nacional. Onde queremos chegar? Para que estamos educando nossas crianças e adolescentes?  Por que não definimos uma filosofia de vida? O que está impedindo que a Escola Pública seja melhor? Que tipo de mão-de-obra queremos? 


Justamente por sua importância no contexto da Humanidade, polêmicas se acentuam a respeito dos métodos utilizados para se educar e ou formar alunos. Comente a questão da educação familiar e do ensino escolar. Em que se identificam ou se diferenciam?


David Lóss:  Penso que as famílias devem prestigiar mais as Escolas, principalmente as Escolas Públicas. É preciso recuperar a “autoridade” do Professor e a importância das Escolas no desenvolvimento das crianças.

 Vejo que nossas crianças e adolescentes sofrem bastante com a ausência dos pais que precisam trabalhar para sustentar a família.

Sinto que a desagregação familiar tem provocado danos irreparáveis e os mais atingidos são os filhos que ficam meio que perdidos e inseguros.   Me preocupo muito com a decadência moral que atinge o Brasil e mais um punhado de países. Tenho receio e lembro sempre da frase “A decadência moral precede a ruína econômica”.


Mudando para outro campo igualmente importante no âmbito das relações humanas e sem querer politizar: ações estruturantes de governo, de médio e de longo prazo, são possíveis de serem implementadas em um país com as características do Brasil?

David Lóss:  Nosso país precisa urgentemente de reformas profundas, a começar pela reforma política. A proliferação de partidos políticos tem sido nefasta e tem produzido consequências danosas para o pais. Não há como se conviver com 32 partidos políticos. 

Penso que com apenas 7 partidos políticos bem estruturados e com programas bem definidos, pode-se contemplar todas as ideologias, desde a direita radical até a esquerda ultra-radical, passando pelos Partidos de centro e até mesmo os partidos classistas. 


Finalizando, abrimos espaço para o senhor manifestar a sua opinião sobre tema que atribua grande importância.

David Lóss:  Gostaria de abordar tema relacionado com nossa Cachoeiro. 

Ao se desmembrar do Município de Itapemirim, em 25 de março de 1867, Cachoeiro tinha uma área geográfica que ultrapassava 3.500 quilômetros quadrados de extensão. Cachoeiro tinha como divisas Minas Gerais e Rio de Janeiro.  Hoje, passados 154 anos, nossa área geográfica ficou reduzida a apenas 877 quilômetros quadrados, graças ao desmembramento e emancipação de 18 municípios, sendo o último o de Vargem Alta. Com isso, não há como se pensar em agricultura e pecuária em larga escala. Como competir com Municípios com enorme área de plantio e pastagem? Como pensar em Parque Industrial sem logística? Precisamos de ferrovia e aeroporto. E não temos.

Além de ter “encolhido”, Cachoeiro teve outras perdas, a saber:

De 1930 a 1945, período de Vargas, Cachoeiro ficou praticamente à míngua pois fazia forte oposição ao governo de Getúlio.   Não conseguimos nada do Governo Federal. 

A propósito, em quase todos os lugares do Brasil temos ruas, praças, rodovias, escolas e até Municípios com o nome de Getúlio.  Em Cachoeiro não temos nada, a não ser uma Escola Polivalente com o nome de Getulio, por decisão do então Prefeito Ferraço, isso já nos anos 70.

No ano de 1956, graças a uma canetada do Presidente Juscelino Kubstcheck, o transporte ferroviário, tanto de carga quanto de passageiros, foi praticamente desativado, graças à opção do Governo Federal pelo transporte rodoviário. Foi mais um golpe duro em Cachoeiro e em todo o norte fluminense.

O último golpe data do ano de 1961. Refiro-me transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Ficamos muito mais distantes da capital do país.

Enquanto não chega a nova ferrovia e o aeroporto, temos que nos fortalecer no setor terciário e nos prepararmos para sermos um grande prestador de serviço. Temos Faculdades, Shoppings, Hospitais, Escolas além do comércio forte e competitivo. Propositalmente deixei de citar a indústria de extração e de beneficiamento de mármore e granito, uma realidade em Cachoeiro que gera muitos empregos e é de grande importância para nossa economia.  O único problema é que, salvo equívoco, a geração de recursos para o Município, através dos impostos, é relativamente pequena  se considerarmos  o volume de dinheiro que envolve o setor



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1 comentário em “Entrevista com Prof. David Lóss

  1. Ótimo reencontrar o Davi! Ele grande referência na minha formação pessoal e cidadã! Parabéns pelo belo personagem escolhido, Renato!

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