Estou me deliciando com o livro “A Noite do Meu Bem”, do mais fluído escritor brasileiro dos últimos tempos: Ruy Castro.

 “A Noite do Meu Bem – história do Samba Canção” – é uma fonte imensa de pesquisas sobre uma época em que eu não passava de uma criança que gostava de ouvir conversas de adultos.

Escutava ávido os papos de meu pai com os amigos que traziam discos de viagens, sorvia os assuntos de Tia Elza – quase uma irmã mais velha – e de seus namorados, que estavam sempre em dia com as novidades cariocas.

Gostava de ir para casa dos vizinhos onde curtia as conversas dos irmãos mais velhos dos amigos, na casa de Seo João Franklin ou Dr. Elviro. Era lá que ouvia falar das boates cariocas como um templo de prazeres e proibições – a serem desobedecidas.

Agora vem Ruy Castro relembrar as boates que mexiam com a capital da República e com os costumes dos brasileiros na década de 50: Vogue, do Barão Stuckart, Sachas, do pianista Sacha Rubim, Drink de Djalma Ferreira, Arpege de Waldir Calmom, além dos inferninhos sem donos do Beco das Garrafas.

Ao mesmo tempo, conta a história dos sambas de cotovelo, quando a moda era ser triste e infeliz. Autênticos personagens da noite e suicídas do dia, desfilam nessa história. Afinal Dolores Duran morreu aos 26 anos e Antônio Maria aos 39. Stanilaw não chegou aos cinquenta e Getúlio deu um tiro no lado esquerdo do peito, aos setenta e dois. Ainda menino, como dizia Carlos Lacerda, “pois ainda tínhamos muito que brigar”

E finalizo com uma citação da contra-capa do LP de Murilinho de Almeida, de autoria do Aldous Huxley:

“As noites são como seres humanos: só começam a interessar depois que ficam adultas.
Lá pela meia noite elas atingem a puberdade.
Um pouco depois de uma hora a maioridade.
A sua plenitude está entre duas e duas e meia.
Uma hora mais tarde elas vão ficando cada vez mais desesperadas, como essas mulheres devoradoras de homens e esses homens maduros em declínio que andam por aí a saltitar num pé só mais violentamente que nunca, na esperança de convencerem a si mesmo de que não são velhos.
Depois das quatro horas, as noites entram em plena decomposição. E a sua morte é horrível. Verdadeiramente horrível, ao nascer do sol, quando as garrafas estão vazias, as pessoas têm um aspecto de cadáveres e o desejo se desfaz em desgosto”.

Nessa Huxley parodiou o filósofo castelense Edmarzinho Machado que dizia: “na noite tem velhim que toma um goró, se sente rico, forte e bonito. Faz um monte de besteiras e na hora em que amanhece… está um lixo”

Booktrailer do livro de Ruy Castro

Maravilhoso também, voltar no tempo musical acessando o programa SPOTIFY e recuperando músicas e intérpretes citadas no livro. Muitos artistas que considerávamos cafonas – ou músicas tidas de forma pejorativa como “de zona” – eram ótimas.

Com letras e interpretações até hoje convincentes. Dalva de Oliveira e aqueles trinados, de repente não eram tão estranhos assim. Principalmente quando ela acertava no repertório de dor de cotovelo. Jorge Goulart, com aquela cara de cavalo… cantava bem… pra burro. Nelson Gonçalves e seu repertório boêmio – que a gente aprendia pra cantar de sacanagem nas mesas da Acaiaca – deveria ter sido levado mais a sério.
Só que essa geração de roqueiros que dançava fingindo que rosqueava nos palcos dos CCC, não confiava em quem tinha mais de 30 anos, e só queria saber de guinchos. E ganchos. Obrigado, Ruy Castro, por mais essa obra de imensa importância dentro da MPB. Já te devemos os compêndios mais importantes da Bossa Nova, e agora, esse sobre o Samba Canção lavou minha alma. Obrigado tia Ina, por ter emprestado o livro pra mamãe, que me cedeu escondido, desde que eu não o devolvesse babado.

Pra quem não conhece o programa SPOTIFY, vai o link do melhor programa de música de todos os tempos: https://www.spotify.com/br

E a capa do livro do Ruy, já vale o preço e o apreço.

Não tem como falarmos desse livro sem uma referência mais específica sobre dois dos seus maiores personagens: Sérgio Porto – o Stanilaw Ponte Preta -, estampado em várias fotos dançando nas boates da moda e citado em situações no mínimo insólitas, e Antônio Maria, talvez o personagem principal desse período. Ambos eram cronistas, redatores de rádio e programas humorísticos da TV (recém-criada), amantes inveterados de mulheres magníficas e sardônicos, como somente os grandes “cabeçudos” podem ser. Adoro a história do Antônio Maria, em que ele escreveu um sketch de TV e o diretor o chamou e reclamou que estava muito profundo para que o público entendesse. Ele deu uma retocada e devolveu o trabalho com essa pérola: “taí… pior que isso não consigo fazer” Época cruel, em que os bons morriam cedo e vários senadores e deputados bem depois. Maria morreu com 39, Sérgio com 45 anos.

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