Sempre tive vontade de falar sobre o tema. O que me travava, eram os princípios acadêmicos e as teses científicas que costumam patentear as coisas da mente. Complexo por natureza, o comportamento humano é alvo de observações permanentes… pelos outros. Sim, porque do nosso ponto de vista o mundo tem seu epicentro em nós mesmos. Parâmetros, modelos, referências? Mirem-se em nós, pobres mortais, e vejam refletidos na placidez das águas do nosso lago o mundo perfeito, pronto e acabado, com nada a ser emendado ou retificado.

Vejo a coisa funcionando assim. Lá atrás, na noite do tempo, algum luminar estabeleceu e seguidores do seu pensamento se multiplicaram na definição de uma “modelagem perfeita que bem definisse o que é certo ou errado nas ações humanas”: tudo que está neste pacote de conceitos é o padrão, está certo, é o que deve ser feito em termos de comportamento das pessoas. Estava criado ali o “princípio imutável da normalidade do comportamento”. E o que ficasse fora desse balaio conceitual, não importando o que ou o porquê, passaria a constar do Índex (escrito com maiúscula, porque essa expressão refere-se ao elenco dos livros cuja leitura a Igreja considera perigosa e/ou inoportuna quanto à moral e a doutrina, diz-nos o Google). No caso presente, estaria incluído no Índex não a leitura de livros condenados pela Igreja, mas comportamentos humanos que fugissem à rigorosa conceituação dos luminares de antanho, citados no início do parágrafo.

Afinal, se quiséssemos sublimar, o que é considerado loucura: atitudes em si ou o contexto em que elas estariam inseridas? Bem à nossa mão, está a figura emblemática, cultural e ancestral do teatro. Pessoas estudam artes cênicas, formam grupos, reúnem-se em palcos, via-de-regra cobram ingressos e multidões afluem seguidamente ali para aplaudir representações emolduradas pela ribalta. E o que se vê em cena? A representação do faz de conta, protagonizada por artistas, cada um encarnando um personagem e encenando miríades de cenas iconográficas que encantam a plateia. Mas, desvinculado do contexto, como dissemos acima, não estaria ali uma aglomeração de malucos esforçando-se ao máximo para dar o máximo de realismo ao que de pura encenação não passa? Fosse, por exemplo, a troupe para a rua, sem a aura e os holofotes do teatro, ao sol do meio dia, e repetisse os mesmos trejeitos e salamaleques, não seriam todos taxados de loucos varridos e recomendados à internação psiquiátrica? Sim, porque a arte fora do contexto não passa de loucura pura e simples.

Penso que com as pessoas, isoladamente, a coisa funciona mais ou menos assim. Quem quer que proceda medianamente fora dos padrões de comportamento estabelecidos, é considerado descontextualizado e a plaqueta de “louco” é-lhe imediatamente afixada ao pescoço. Sem apelação ou direito de defesa! É o que diz o rigoroso protocolo do convívio social.

Então, na contramão dos inflexíveis conceitos sociais, tenho, cada dia mais, reavaliado o conceito de loucura. Na nova formatação da minha linha de pensamento, não mais analiso atitudes ou ações isoladamente. Ao contrário, procuro sempre contextualizá-las. Componentes que tenho usado para minha nova fórmula: o que motivou uma pessoa a tomar determinada atitude? No decorrer da ação quais fluídos foram produzidos? Os resultados obtidos foram bons ou ruins? Alguém ou alguma coisa foi beneficiada?

A partir daí, posiciono-me.

Inclusive procurando desentrelaçar as tênues diferenças que diferenciam o louco do mau caráter.

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